terça-feira, 24 de novembro de 2009

Lição nº 2: Judas, o obscuro


Conhecemos o pequeno Judas órfão e achincalhado por uma Tia padeira no interior da Inglaterra.
A situação é a partida de um professor a quem Judas tem em alta estima, cujo efeito determinará toda a obscura busca desse sorumbático asceta.
Trabalha espantando corvos com uma matraca. Seu senso de justiça o leva a, num acesso de piedade, alimentá-los uma vez na vida. Toma uma sova do proprietário e uma cruel repreensão de sua tia.
Sonhará com a sabedoria que as luzes daquela cidade alteiam e fará dela seu objetivo maior, onde finalmente se encontrará. Enquanto isso dedicará toda sua energia em aprender um ofício e se instruir. Torna-se restaurador de igrejas , aprende Latim e le os clássicos da teologia.
Sua concentração é impassível até que tomam curso distrações movidas por instintos não tão elevados.
É seduzido por uma frívola filha de criador de porcos, cujo charme ensaiado chega ao extremo de chupar as bochechas a fim de criar falsas covinhas.
Como por falta do que fazer ela o seduz e inventa uma gravidez. Casam-se e Judas resigna-se a viver uma vida desprovida de realização, em nome dos votos sagrados do matrimonio.
O desprezo mútuo cresce. A passagem em que Judas se recusa a matar e sangrar um porco para arrecadarem algum dinheiro é emblemática. Ela toma a faca de sua mão e o faz em uma estocada. A armação da gravidez é revelada. Ela decide largá-lo e mudar-se para a Austrália.

A retidão é o maior traço de sua personalidade, o que constitui o grande interesse do narrador, como se perguntando-se por que esse pobre coitado insiste nesses ideais depois de tantas provas de habitar um mundo mesquinho e sem sentido.
Como todas as suas paixões se manifestam em forma de idéias fixas e vagas, adianta sua partida para Christminster motivado por uma foto de uma bela prima, a quem sua tia proibiu de procurar. E a primeira coisa que faz ao chegar. Tem dela uma visão beatífica pintando numa tela. Decide não se aproximar dela até que tenha esteja numa situação mais digna. Isso não acontece, mas ela o encontra. A fim de arrumar-lhe um emprego de professora decide levá-la com ele para visitar o professor do início, pela primeira vez. Chegando lá o professor nem o reconhece.
Ela consegue o cargo. O professor se interessa por ela. Judas flagra-o tentando se aproximar dela na rua.
As esperanças acadêmicas de Judas são destruídas e ele busca alívio álcool. Sua degradação chega ao limite quando, respondendo a um desafio, recita uma oração em latim em uma taverna para provar suas habilidades.
No desespero busca refúgio em sua idealizada prima, algo de que sempre se recordará com vergonha, atribuindo a esse vexame a decisão da moça de noivar com o professor.
Ela parte para estudar o magistério num rígido colégio para moças. Ele vai visitá-la e aproximam-se a ponto de comprometer sua estadia no colégio.
Em contraste com o cristianismo de Judas a moça tem mais afinidade espiritual com os gregos. Livre de convenções, dotada de intelecto agudo, porém retraída sexualmente. Certo dia confessa para Judas uma experiência na qual se viu encurralada pela paixão de um amigo a quem admirava profundamente. Viveram como casal sem consumarem a relação até que o rapaz adoeceu e morreu. Judas reconhece seu destino nesse padrão.
A consistência e perseverança de Judas, restaurador de igrejas, impõem respeito. Insistia em alimentar uma esperança impossível de que aquela mulher impassível um dia seria sua.
Ela confessa seu noivado com o professor, que até então ele não sabia, e até isso ele acha que é sinal de sua afeição por ele. Ele também confessa que era casado e ela ressente o fato de ele ter mantido isso em segredo. Ela se casa e o pede que a leve até o altar. Nessa hora a cota de humilhação que um homem é capaz de suportar parece ter chegado ao fim. Mas não será agora.

domingo, 22 de novembro de 2009

Lição n°1 : A educação sentimental



No dia 15 de setembro de 1840, pelas seis horas da manhã, o Ville-de-Montereau, à hora da partida, soltava grossos rolos de fumo em frente do cais Saint-Bernard.


Em meio ao alvoroço da partida conhecemos Frederico Moreau, a contemplar e suspirar ante o desaparecimento de Paris. Conhecemos um fragmento do seu pensamento alheio a agitação dos passageiros da excursão marítima: Frederico pensava no quarto em que iria morar, no plano de um drama, em assuntos de quadros, em paixões futuras. Parecia-lhe que já tardava a felicidade merecida pela bondade do seu coração.
Portanto, já se pode prever com que tipo de homem vamos lidar: mais um herói sensível apassivado pela indecisão. Como esse homem que nada realizará me interessará?
Nesse instante chama-lhe a atenção o homem que fará parte importante de seu destino na primeira parte do romance, pela influência que desfruta nos meios artísticos e pela esposa de quem Frederico se enamora pueril e irremediavelmente. Homem vivaz e expansivo que saberemos em seguida chamar-se Arnoux.
A paisagem, o clima, as roupas nos são descritas com preciosismo irritante. Apesar de nosso protagonista auto-absorvido o narrador nos entulha com as minúcias das roupas das mademouselles, dos ornamentos dos salões...
É um tanto risível o encontro com a mulher: Foi como que uma aparição. Lá estava ela, a meio do banco sozinha;
Essa aparição acontece nas primeiras páginas e será o centro do mundo interior do aparvalhado Frederico. Não é seu gênio, que apesar das pretensões artísticas não floresce como o esperado, nem sua determinação, como viremos a notar nas inúmeras guinadas que dará o herói rumo a qualquer promessa de sucesso, que move o espírito desse cavalheiro. Muito menos suas idéias, as quais não vemos nem a sombra. Toda sua energia é dirigida na cobiça da mulher do próximo, Arnoux no caso, alguém a quem admira paternalmente e cujos atributos de caráter fazem um belo contraste com os seus próprios. Arnoux é um comerciante antes de mais nada, ainda que dotado de alguma sensibilidade e que a utilize apenas para o engodo.
Frederico é mais gregário do que a maioria dos heróis romanescos, o que contribui para a impressão de que em si mesmo não há mais do que aquele pathos. Por outro lado temos bem representados outros caracteres da sociedade da época: o boêmio, o artista, o jornalista, o comerciante, algumas damas de companhia e uns espólios da aristocracia.
Mme Arnoux por sua vez é um poço de virtude. Fora isso, sabemos de sua graciosidade, sua brancura, e de sua discrição, tão impassível que nos priva de aproximar-nos dela. Frederico dá sinais de estar ciente do patetismo de sua posição, mas o que o prende tão inexoravelmente a mulher é aquela fagulha de esperança, tão ínfima, mas que nutre todo o destino do pobre.
Os acontecimentos da cidade grande são nos salões, tão presentes e maçantes nos romances do século XIX. Esta, no entanto, é a passagem mais vibrante do romance. O furor da dança é inebriante, ainda que Frederico, como sempre, não toma parte, e apenas assiste extasiado a carne suada das mulheres e seus cabelos evoaçantes a exalar.
Lá conhecerá uma das amantes de Arnoux, com quem se envolverá. Ele penetrará em sua coqueterie com algum esforço, mas desenvolverá alguma ternura por ela. Viverão os momentos mais líricos do livro numa espécie de núpcias campestres, à época da revolta que estourava na cidade.
Essa revolta suscitará ações heróicas de fato, ainda que eu tenha ficado confuso sobre a posição política de quase todo mundo. Sei que os aristocratas tremeram, os burgueses salivaram por cargos públicos e os coitados que se esfolaram nas trincheiras improvisadas provavelmente continuaram na mesma. Foram a forra, no entanto, quando invadiram o palácio do rei fugido, e celebraram como porcos uma vitória meramente simbólica.


Frederico que já tentara a carreira de advogado, já havia recebido uma herança de um tio que o deixara bastante confortável, já havia feito uma breve incursão pelo mundo da política, agora tem a chance de se tornar um membro na aristocracia decadente. Envolve-se por puro interesse com a matrona viúva de um influente conhecido. Ela tem classe, habilidades sociais, e é tudo.
As três mulheres, cada uma a seu modo, serão lições para a educação sentimental desse não tão extraordinário herói moderno.
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