domingo, 22 de novembro de 2009

Lição n°1 : A educação sentimental



No dia 15 de setembro de 1840, pelas seis horas da manhã, o Ville-de-Montereau, à hora da partida, soltava grossos rolos de fumo em frente do cais Saint-Bernard.


Em meio ao alvoroço da partida conhecemos Frederico Moreau, a contemplar e suspirar ante o desaparecimento de Paris. Conhecemos um fragmento do seu pensamento alheio a agitação dos passageiros da excursão marítima: Frederico pensava no quarto em que iria morar, no plano de um drama, em assuntos de quadros, em paixões futuras. Parecia-lhe que já tardava a felicidade merecida pela bondade do seu coração.
Portanto, já se pode prever com que tipo de homem vamos lidar: mais um herói sensível apassivado pela indecisão. Como esse homem que nada realizará me interessará?
Nesse instante chama-lhe a atenção o homem que fará parte importante de seu destino na primeira parte do romance, pela influência que desfruta nos meios artísticos e pela esposa de quem Frederico se enamora pueril e irremediavelmente. Homem vivaz e expansivo que saberemos em seguida chamar-se Arnoux.
A paisagem, o clima, as roupas nos são descritas com preciosismo irritante. Apesar de nosso protagonista auto-absorvido o narrador nos entulha com as minúcias das roupas das mademouselles, dos ornamentos dos salões...
É um tanto risível o encontro com a mulher: Foi como que uma aparição. Lá estava ela, a meio do banco sozinha;
Essa aparição acontece nas primeiras páginas e será o centro do mundo interior do aparvalhado Frederico. Não é seu gênio, que apesar das pretensões artísticas não floresce como o esperado, nem sua determinação, como viremos a notar nas inúmeras guinadas que dará o herói rumo a qualquer promessa de sucesso, que move o espírito desse cavalheiro. Muito menos suas idéias, as quais não vemos nem a sombra. Toda sua energia é dirigida na cobiça da mulher do próximo, Arnoux no caso, alguém a quem admira paternalmente e cujos atributos de caráter fazem um belo contraste com os seus próprios. Arnoux é um comerciante antes de mais nada, ainda que dotado de alguma sensibilidade e que a utilize apenas para o engodo.
Frederico é mais gregário do que a maioria dos heróis romanescos, o que contribui para a impressão de que em si mesmo não há mais do que aquele pathos. Por outro lado temos bem representados outros caracteres da sociedade da época: o boêmio, o artista, o jornalista, o comerciante, algumas damas de companhia e uns espólios da aristocracia.
Mme Arnoux por sua vez é um poço de virtude. Fora isso, sabemos de sua graciosidade, sua brancura, e de sua discrição, tão impassível que nos priva de aproximar-nos dela. Frederico dá sinais de estar ciente do patetismo de sua posição, mas o que o prende tão inexoravelmente a mulher é aquela fagulha de esperança, tão ínfima, mas que nutre todo o destino do pobre.
Os acontecimentos da cidade grande são nos salões, tão presentes e maçantes nos romances do século XIX. Esta, no entanto, é a passagem mais vibrante do romance. O furor da dança é inebriante, ainda que Frederico, como sempre, não toma parte, e apenas assiste extasiado a carne suada das mulheres e seus cabelos evoaçantes a exalar.
Lá conhecerá uma das amantes de Arnoux, com quem se envolverá. Ele penetrará em sua coqueterie com algum esforço, mas desenvolverá alguma ternura por ela. Viverão os momentos mais líricos do livro numa espécie de núpcias campestres, à época da revolta que estourava na cidade.
Essa revolta suscitará ações heróicas de fato, ainda que eu tenha ficado confuso sobre a posição política de quase todo mundo. Sei que os aristocratas tremeram, os burgueses salivaram por cargos públicos e os coitados que se esfolaram nas trincheiras improvisadas provavelmente continuaram na mesma. Foram a forra, no entanto, quando invadiram o palácio do rei fugido, e celebraram como porcos uma vitória meramente simbólica.


Frederico que já tentara a carreira de advogado, já havia recebido uma herança de um tio que o deixara bastante confortável, já havia feito uma breve incursão pelo mundo da política, agora tem a chance de se tornar um membro na aristocracia decadente. Envolve-se por puro interesse com a matrona viúva de um influente conhecido. Ela tem classe, habilidades sociais, e é tudo.
As três mulheres, cada uma a seu modo, serão lições para a educação sentimental desse não tão extraordinário herói moderno.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Acessos: